10/01/2015

Como vender a Filosofia


Os Quatro Filósofos, de Rubens (Palazzo Pitti, Florença)
MARK VANHOENACKER. <I>EXCLUSIVO PÚBLICO/SLATE</I>/THE WASHINGTON POST 

Só precisa de um produto - experiências imaginárias, por exemplo - e um plano de marketing.

Só os mais valentes ficariam ao lado dos filósofos no fim da sua guerra de influências com os cientistas. Para o filósofo que fuma o seu cachimbo enquanto reflecte sobre questões complexas, começa a fazer-se tarde e o tweed pesa-lhe nos ombros. Os cientistas têm os edifícios espalhafatosos, as manchetes mais sensacionais e o crédito pelos "feitos intelectuais mais impressionantes" da nossa era. A National Science Foundation (Fundação Nacional de Ciência) tem um orçamento de sete mil milhões, enquanto a National Philosophy Foundation... - ups!, esperem, não existe nenhuma.
Os comentadores falam da "crescente crise na filosofia" e lamentam que, "dentro de algumas décadas, toda a disciplina possa estar ameaçada". O Centro Nacional de Estatísticas da Educação dá conta de uma queda de 20% nas licenciaturas de Filosofia e Religião entre 1970 e 2009. A parte mais cruel, dizem os filósofos: "Somos ignorados durante os jantares."
Amy Ferrer, directora executiva da Associação Americana de Filósofos, enumera razões para o cepticismo em relação aos números da queda de licenciaturas em Filosofia. Mas reconhece que na origem de "qualquer percepção de crise" estão "impressões enganadoras sobre o valor e a utilidade da Filosofia". No vocabulário das relações públicas, a percepção de crise é uma crise.
Claro que os problemas de relações públicas da Filosofia não são nada de novo - veja-se Sócrates e a sua execução. Mas, na verdade, nada diz tão claramente "nós levamos-te a sério!" como um copo de cicuta. Cerca de 24 séculos depois, foi fácil para um crítico do New York Times concluir que "a Filosofia académica nos EUA deixou praticamente de tentar comunicar para a cultura em geral".
Vamos partir do princípio de que qualquer civilização quererá uns quantos filósofos de serviço. Alguém tem de manter a mais velha chama intelectual da humanidade acesa. Alguém tem de manter comediantes (Monty Python) e lojas de bebidas (Bebo, Logo Existo) no estilo a que nos habituámos. E alguém tem de nos ir lembrando regularmente do valor das perguntas sem respostas.
Mas se a Filosofia é tão importante, então vendê-la para a cultura em geral também é importante. Por isso, está na hora de os filósofos porem as suas molas no nariz, entrarem no fedorento comércio do mundo real e pedir àqueles especialistas bronzeados do marketing que fugiram da cadeira de Filosofia que os ajudem.
Como poderá fazer-se um plano de marketing de Filosofia? Os Quatro pês (product, price, place, promotion - produto, preço, lugar e promoção) talvez seja o modelo de marketing mais conhecido. Mas, na era digital, os quatro cês podem ser mais relevantes: consumidor, custos, conveniência e comunicação.
Primeiro, o consumidor. Ver de onde vem o fumo da fábrica de filosofia mais próxima. Qual é o produto? A resposta é... perguntas. O físico Lawrence Krauss põe as coisas assim: "Numa primeira aproximação, tudo o que tem resposta vai parar ao domínio do conhecimento empírico, ou seja, ciência." Mas que tipo de questão filosófica se adequa a uma era em que a atenção só se concentra em breves intervalos? Qual é a barra energética da filosofia, o alimento nutritivo para a mente já pré-digerido para mastigar e deitar fora? Experiências imaginárias. As experiências imaginárias (thought experiments, em inglês) são o produto de consumo filosófico perfeito para o nosso tempo. O pico de sensação que produzem - uma perplexidade gratificante, um assunto enquadrado na perfeição, um momento "a-ha!" sobre as intuições e contradições nossas e da nossa sociedade - é rápido e viciante. As experiências imaginárias são acessíveis e democráticas. Limpam os detalhes extra e levam o utilizador directamente ao coração de um assunto complicado. São muito mais democráticas do que a ciência: por definição, não exigem um laboratório, equipamento especial, ou qualquer habilidade com numeração. São facilmente memorizáveis e partilháveis (muitos cabem em 140 caracteres). Têm uma graça própria mas também não ficariam deslocadas nos tais jantares.
Jack Handy, dos Pensamentos Profundos do Saturday Night Live, entendeu o potencial de popularidade de uma boa experiência imaginária: "Se as árvores pudessem gritar, estaríamos tão prontos a cortá-las? Talvez, se chorassem o tempo todo sem uma boa razão." As árvores de Handy partilham a sabedoria com o Anel de Giges, da República de Platão: comportávamo-nos de uma forma moral se fôssemos invisíveis segundo a nossa vontade? E o Navio de Teseus, associado a Plutarco. Se substituirmos cada tábua do navio, continuará a ser o mesmo navio? (E se, perguntou Hobbes um pouco mais tarde, usarmos essas tábuas para construir outro navio?)
Se perguntas como estas parecem, digamos, filosofia de poltrona, muitas reflexões são surpreendentemente modernas. Vejamos as perguntas dirigidas por zombies filosóficos a neurocientistas e investigadores da inteligência artificial: os seres - e nada de piadas sobre licenciaturas em Marketing, por favor - que agem exactamente como humanos conscientes mas que não têm qualquer experiência interna. Depois, há o cérebro no frasco (pista para o The Matrix). Mas das experiências imagináriasfamosas, talvez a mais moderna seja a Sala Chinesa. Imagine que está numa sala a receber mensagens em chinês, uma língua que não conhece. Mas olha para os símbolos que vêm numa gigantesca série de manuais de instrução e escreve as suas respostas em chinês, de acordo com as instruções. A Enciclopédia de Filosofia de Stanford põe as coisas assim: "O cérebro produz a aparência de entender chinês seguindo as instruções de manipulação do símbolo, mas não é por isso que entende chinês. Embora um computador faça o mesmo que um humano - manipula símbolos com base apenas na sua sintaxe -, nenhum computador, somente por seguir um programa, consegue verdadeiramente entender chinês."
Ou seja, um computador nunca "entenderá" chinês nem coisa nenhuma? Veja-se o universo febril de respostas incrivelmente fascinantes.
Depois, há a família das experiências imaginárias, conhecida como problemas atrelados, que formam praticamente a sua própria subdisciplina - chamemos-lhe "Atreladiologia". Carregaria num interruptor para atirar um atrelado para a estrada com uma pessoa, em vez de cinco? E empurrar alguém de uma ponte para a estrada de forma a impedir um atrelado de bater em cinco pessoas?
As "atreladiologias" das experiências imaginárias são úteis para qualquer pessoa que reflicta sobre tortura, terrorismo ou racionamento de cuidados médicos. Pense-se no controlo de armas. Imagine, por exemplo, que vê um homicida conhecido a ameaçar alguém que tem uma arma e que nesse momento tiramos a arma ao seu proprietário. Em que é que isso é diferente de aprovar uma lei para o controlo de armas? (O facto de Jeff McMahan, filósofo em Rutgers, ter usado esta reflexão como argumento mostra o seu poder retórico.) O aborto também tem a sua questão controversa: quais são as nossas responsabilidades ao acordarmos num hospital agarrados a alguém que dependia de nós para viver?
A globalização está a gerar novas e poderosas experiências imaginárias. Talvez a mais desconcertante dos últimos anos seja a de Peter Singer, no seu livro The Life You Can Save. Como é que reagiríamos ao ver um bebé a afogar-se num poço? E qual a diferença entre esse bebé e as dezenas de milhares de crianças que todos os anos morrem devido à pobreza? Se este pensamento o deixar desconfortável, então é porque funciona. Há uma recensão que se intitula: "Se você acha que é bom, então pense segunda vez".
Quaisquer que sejam as suas reacções a estas reflexões - e a não ser que, como Kenneth do 30 Rock, achar que fazer-se perguntas hipotéticas é "mentir ao seu cérebro" -, é inegável que as experiências imaginárias são um óptimo produto. E sim, os cientistas também as usam, numa tradição que lembra os séculos felizes em que a filosofia e a ciência eram uma e a mesma coisa. Mas a experiência de pensamento, pela sua natureza de poltrona, está a implorar ser acolhida por filósofos, qualquer que seja o seu tema. Em termos de marketing, os filósofos precisam de a "ter". Precisam de a identificar como uma "competência fulcral". E depois - sim, oh sim - precisam de a elevar (sim, eu costumava ser um consultor de gestão).
O cê seguinte do nosso plano de marketing corresponde a custos. Mais boas notícias para a filosofia. Montes de experiências imagináriasjá estão por aí, grátis. Os filósofos podem tentar patentear as que já existem - a América é a terra onde alguém tentou realmente patentear o conceito de trolling de patentes. Mas um modelo de acesso gratuito é provavelmente mais amigável para o consumidor. E enquanto a ciência de laboratório custa este mundo e o outro, as problematizações podem ser produzidas por pouco mais do que o custo de uma poltrona, um salário ocasional de professor universitário e alguns copos de vinho barato.
A conveniência (localização, de acordo com o antigo sistema de marketing) é mais problemática. Onde é que o consumidor actual vai encontrar experiências cognitivas? Numa excelente linha de distribuição: o podcast.
Os filósofos já têm alguns dos melhores podcasts que andam por aí. No topo da lista está o Philosophy Bites, no qual grandes pensadores se submetem a um grupo de interrogadores durante 15 minutos para comentar alguns tópicos não tão fáceis quanto isso, como destino, responsabilidade moral e Nietzsche.
O Philosophy Bites também vai bem quando se está a conduzir, cortar a relva, à espera do autocarro ou durante a confecção de qualquer prato que não necessite de constante leitura de receitas (a minha regra de ouro: se pode ser cozinhado enquanto bebemos um copo, também pode ser cozinhado enquanto ouvimos o Philosophy Bites).
Nem todos os episódios são explicitamente sobre experiências imaginárias (embora aqui se encontrem experiências imaginárias em geral, atrelados eThe Life You Can Save, de Peter Singer). Mas ainda assim, as experiências imaginárias aparecem regularmente. O casamento das experiências com curtos podcasts não é acidental. Feitas para jogar com as nossas intuições, é suposto as experiências imaginárias serem fáceis de apanhar. Pode ser bom começar por uma série de podcasts de experiências imaginárias famosas e mais explícitas (há quem já a tenha feito, mas não os génios da Philosophy Bites). Podem até incluir experiências imaginárias científicas - para se "apropriarem" do método das experiências imaginárias.
Podcasts à parte, a experiência de compras filosófica precisa desesperadamente de alguma exuberância. Precisamos de mais sites como o Philosophy Matters, cujo criador acredita que a filosofia tem - não! - "um pequeno problema de relações públicas". Quanto à Associação Americana de Filosofia (APA na sigla inglesa), abriu uma conta no Twitter apenas este ano; a sua página no Facebook ainda não chegou aos 500 likes; o seu site na Internet precisa urgentemente de um ou dois refrescantes tratamentos faciais. A associação parece estar agora empenhada no marketing - recentemente procurou um novo logótipo e "objectos de associação de marca". Talvez a APA possa comprar o endereço philosophy.com aos seus actuais proprietários ("uma marca" - vêem? - "que aborda o cuidado pessoal como uma questão de tratamento de pele, ao mesmo tempo que celebra a beleza do espírito humano").
O que nos leva para o último dos cês do marketing, a comunicação. Promoção, essencialmente, ou publicidade.
A filosofia precisa de um slogan. Se eu disser aos americanos "a outra carne branca", "o tecido das nossas vidas" ou "bom até à última gota", eles sabem o que eu estou a comer, vestir ou beber. Quando vivi no Reino Unido, fiquei fã da campanha "Ninguém esquece um bom professor". "A filosofia importa" não é um mau slogan. Ou "Filosofia? Boa pergunta". Depois de a filosofia ter um logótipo e um slogan, precisa de uma campanha. Uma opção será fazer cartazes com algumas das experiências de pensamento controversas. Por exemplo, usando aquela do controlo de armas que falámos: "Qual é a diferença entre apoiar o controlo de armas e tirar uma arma das mãos de uma pessoa no momento em que ela fica cara a cara com um intruso? Filosofia, as melhores respostas vêm das melhores perguntas."
Finalmente, a filosofia precisa de um porta-voz. Alguém de nível A. Estou a pensar num estudante de Filosofia que tenha passado por coisas incríveis (e que seja suficientemente rico para pagar os anúncios também). Ricky Gervais? Stephen Colbert? Ethan Coen? Carl Icahn? Peter "Pay Pal" Thiel? Wes Anderson? Woody Allen? David Souter? Stone Phillips? Carly Fiorini? Gene Siskel? E que tal Peter Lynch, o antigo gerente da Fidelity Magellan que diz que foi a Filosofia, e não a Estatística, que melhor o preparou para Wall Street?
E temos Bruce Lee (aparentemente, parece que só tem a licenciatura em Filosofia porque diz que a tem, mas podemos resolver isso com um grau honorário). Ou que tal Pat Buchanan e George Soros, enfiados numa poltrona com a frase: "Filosofia. O que eles têm em comum". Mas será mesmo difícil bater Steve Martin: "Hey, não há causa e efeito. Não há lógica! Não há coisa nenhuma!" Geologia, disse Martin, são apenas factos que se esquecem. Mas Filosofia? "Lembramos-nos apenas do suficiente para nos lixar a cabeça para o resto da vida." Fala como um verdadeiro crente.

Fontes: http://www.publico.pt/temas/jornal/como-vender-a-filosofia-26723911

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