19/03/2015

A filosofia do mundo, segundo Calvin e Hobbes


Por vezes mostro nas aulas uma tira do “Calvin e Hobbes”. Os alunos e alunas não reconhecem o desenho, a não ser que sejam dos raros apaixonados pela banda desenhada. Pudera, ainda não tinham nascido quando Bill Watterson, há vinte anos, decidiu terminar a década de aventuras de Calvin e do seu tigre Hobbes.

De Watterson, então pelos trinta e poucos anos, hoje com cinquenta e tal, quase não se voltou a ouvir falar. No ano passado, desenhou o cartaz para o festival de Angoulême (clique na imagem para ampliar) e foi tudo.

Mas, de 1985 a 1995, a concluir-se a 31 de dezembro, Watterson deu-nos a melhor banda desenhada do género. Calvin, como sabem, é uma criança de seis anos que desarranja o seu mundo: gesticula contra a malvadez da bicicleta, suspeita de Susie, a colega que sabe mais do que ele, e vinga-se anunciando que o seu termo está cheio de vermes, foge dos estudantes mais velhos, inventa dinossáurios voadores, tenta comprar armas automáticas, come bombas de chocolate, sempre com a cumplicidade do seu tigre de peluche, que se anima a ensinar-lhe como caçam e preguiçam os predadores ferozes como ele, ou que o ajuda a fazer os trabalhos de casa. Os pais desesperam, a baby sitter, Rosalyn, imagina vinganças, o pequeno mundo agita-se ao ritmo frenético de uma criança “pós-modernista suburbana”, como ele inventou para si próprio.

Mas Watterson “disse tudo o que tinha para dizer” e terminou a série. Combateu entretanto a mercadorização dos seus desenhos, garantindo que só “ladrões e vãndalos” fariam dinheiro com os seus heróis em produtos vários. Cansou-se? Desistiu? Desapareceu.

Fica o que fica: o desenho mais inventivo e mais divertido. É preciso conhecer as crianças como só uma criança saberá, perceber o medo que os rapazes têm das raparigas, a surpresa com o mundo das regras, a imaginação fantasista e a devoção a um brinquedo. Filosofia pura, portanto. No tempo da precipitação pós-moderna, que nos impõe a efemeridade como religião e a hipercomunicação como experiência do vazio, Calvin e Hobbes foram um dos grandes contributos do século para compreendermos e gostarmos da humanidade.

Fontes: http://blogues.publico.pt/tudomenoseconomia/2015/03/18/a-filosofia-do-mundo-segundo-calvin-e-hobbes/

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