26/02/2015

O que é a verdadeira felicidade?

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Aristóteles 384 a.C. - 322 a.C.

A felicidade é um dos maiores e mais antigos anseios da humanidade. Todos a buscam em prosa e verso. Em nome dela se trapaceia, se rouba, se mata, se trai, se corrompe, se prostitui, por outro lado em sua busca se desenvolve, se cresce, se morre de trabalhar, se aperfeiçoa, se capacita, se agiganta.
Por isso, a felicidade é tema de livros, músicas, artes cênicas, filmes, novelas. Mas existe uma pergunta que já ocupou a cabeça de grandes pensadores como Aristóteles, Sócrates, Platão e outros: o que é a verdadeira felicidade?
Buscando textos aqui e ali, caiu-me nas mãos um artigo do professor Nigel Warburton do seu livro “Uma breve história da Filosofia”, que além de responder diretamente a essa questão, é uma excelente aula de Filosofia.
Esse belo artigo será o primeiro a ser utilizado nos treinamentos de interpretação de textos que faremos nesse semestre, com vistas à preparação dos nossos alunos para o exame do ENADE que acontecerá em Novembro próximo. Vamos ao artigo:
No livro de Aristóteles chamado Nicómaco que foi escrito para homenagear seu filho Nicômaco, encontra-se a famosa frase: “Uma andorinha só não faz verão.”. Aristóteles queria dizer que para se ter certeza de que o verão começou é preciso mais de uma andorinha voando ou mais de um dia quente, do mesmo modo que pequenos prazeres não correspondem a verdadeira felicidade.
Para Aristóteles felicidade não passava de alegria momentânea e ele acreditava que as crianças não podiam ser felizes. Ora, se as crianças não podem ser felizes, quem pode?
A visão de felicidade de Aristóteles era diferente da nossa para se ter felicidade é necessário uma vida longa, que as crianças ainda não tiveram.
Platão foi professor de Aristóteles e Sócrates foi professor de Platão. Sócrates-Platão-Aristóteles, esses três grandes pensadores, formam uma corrente.
Apresar de todos terem um professor que lhes serviu de inspiração para a genialidade, as ideias desses três são bem diferentes: Sócrates foi um excelente dialogador; Platão foi um grande escritor e Aristóteles interessou-se por tudo.
Todos os escritos de Aristóteles que sobreviveram tem a forma de anotações de aulas, possivelmente, anotações das aulas de Platão, seu professor.
Esses registros de suas anotações ainda exercem impacto gigantesco na filosofia ocidental. Aristóteles não foi apenas filósofo, mas se interessava também por zoologia, astronomia, história, política e drama.
Aristóteles nasceu na Macedónia em 384 a.C. Foi aluno de Platão, trabalhou como tutor de Alexandre, o Grande e fundou a própria escola em Atenas chamada Liceu, simplesmente um dos mais famosos centros de ensino do mundo antigo, equivalente às universidades de hoje.
Aristóteles mandava os pesquisadores do Liceu pesquisarem assuntos como política e biologia pelo mundo afora
Já Platão, contentou-se em filosofar de dentro de um gabinete. Aristóteles queria explorar a realidade. Ele rejeitou a teoria das formas de seu professor por acreditar que a maneira de entender a categoria geral das coisas era examinando os seus exemplares particulares. Assim, para entender o que é um gato, precisaríamos observar gatos reais, e não pensar abstratamente na forma de um gato.
Aristóteles refletiu muito sobre “Como devemos viver?” Sócrates e Platão também já havia feito essa pergunta. A busca dessa resposta é o que leva as pessoas à Filosofia pela primeira vez. A resposta que Aristóteles adotou era bem simples: “Buscando a felicidade.”

.Mas o que é buscar a felicidade?

Hoje seriam coisas do tipo: “curtir a si próprio”, férias no exterior, festas e baladas, reuniões com amigos, ler um bom livro, visitar museus. Essas coisas, sem duvida, são bons ingredientes, mas Aristóteles não acreditava que a melhor maneira de viver não era viver em busca dessas coisas.
Na visão dele, uma bela vida, não se resumia a isso. Ele usava uma palavra grega, eudaimonia para definir uma boa vida. Sua tradução: prosperidade e sucesso e não felicidade. É algo que vai além das sensações de prazer que temos ao tomar sorvete ou ir a um estádio de futebol ver seu time ganhar. A eudaimonia não diz respeito a momentos de alegria, ela é mais objetiva. É um termo bastante difícil de entender, pois nos acostumamos a pensar que felicidade diz respeito apenas ao modo como estamos nos sentindo momentaneamente.
Pense numa planta. Se você a colocar num local iluminado, regá-la, adubá-la, ela vai crescer e florescer. Caso você a abandone ela vai murchar e perecer. Os seres humanos também podem florescer como as plantas e diferentemente delas, nós mesmos podemos nos cuidar, sem depender de ninguém.
Aristóteles estava convencido de que há um modo de vida que combina mais conosco, que nos diferencia das plantas e dos outros animais: é o fato de que podemos escolher o que é melhor fazer. A partir disso ele concluiu que o melhor tipo de vida para o ser humano é aquele que usa os poderes da razão.
Aristóteles acreditava também que até as coisas sobre as quais não sabemos nada, como a vida após a morte, podem contribuir para a nossa eudaimonia. Isso soa estranho. Como os acontecimentos após nossa morte podem influenciar em nossa felicidade, se não estaremos mais aqui?
Bem, imagine que você tenha filhos, e que sua felicidade resida no futuro deles, e que de forma lamentável seu filho venha a falecer, depois de você já ter morrido.. A sua eudaimonia terá sido afetada por isso. Na visão de Aristóteles, sua vida terá piorado, mesmo que você não saiba sobre a morte do seu filho e não esteja mais vivo. Isso explica porque a felicidade não é só a forma como nos sentimos no momento. A felicidade diz respeito a nossa realização global na vida. Essa realização é afetada também pelos eventos sobre os quais não temos controle.
Agora vamos à questão central: “O que podemos fazer para aumentar a chance de eudaimonia?” A resposta de Aristóteles era: “Desenvolver um tipo certo de caráter.” Precisamos sentir os tipos certos de emoção no momento certo e eles farão com que nos comportemos bem. Isso dependerá de como fomos criados, pois a melhor maneira de desenvolver bons hábitos é praticá-los desde cedo. Hábitos bons são virtudes: hábitos ruins são vícios.
Imagine agora a virtude da coragem durante uma guerra. Quando um soldado coloca a própria vida em risco para salvar outros cidadãos, ele não se preocupa com a própria segurança, mas quando ele entra em situação de perigo, sem necessidade, isso não e coragem e sim uma ação imprudente. Por outro lado, o soldado covarde não consegue superar o medo para agir do modo necessário e fica paralisado diante do temor. O soldado valente ou corajoso sente igualmente medo do perigo, mas o valente é aquele capaz de dominá-lo e agir. Aristóteles pensava que toda virtude está entre dois extremos como esses. Aqui a coragem está na metade do caminho ente a temeridade e a covardia. Isto é chamado de Justo Meio na doutrina de Aristóteles.
Aristóteles abordou também a ética, e o interesse não é somente histórico. Filósofos modernos acreditam que ele estava certo ao defender a importância das virtudes e que sua visão do que é a felicidade era precisa e imperadora. Eles acreditam que, em vez de aumentar novos prazeres na vida, devemos nos tornar pessoas melhores e fazer a coisa certa.
Tudo isso leva a crer que Aristóteles estava interessado apenas no desenvolvimento do indivíduo. Mas ele não estava. Os seres humanos são animais políticos argumentava ele. Precisam conseguir viver com os outros e precisamos de um sistema de justiça para lidar com o lado mais obscuro de nossa natureza. A eudaimonia só pode ser alcançada em relação à vida na sociedade. Nós vivemos juntos e precisamos encontrar a nossa felicidade interagindo com aqueles que nos cercam, em um estado político bem ordenado.
Entretanto, a genialidade de Aristóteles teve um efeito lastimável. Ele era tão inteligente e sua pesquisa tão abrangente que muitas pessoas que liam suas obras achavam que ele estava certo com relação à tudo. Isso foi péssimo para o progresso e péssimo para a tradição filosófica iniciada com Sócrates.
Durante centenas de anos depois de sua morte, a maioria dos estudiosos aceitou as ideias aristotéticas sobre o mundo como verdades inquestionáveis. Para eles, bastava comprovar que Aristóteles havia dito algo. É o que se costuma chamar de “verdade por autoridade”.
O que você pensa que aconteceria se jogasse de um lugar alto dois objetos de mesmo tamanho, um de madeira e outro mais pesado, de ferro? Qual deles chegaria primeiro ao chão? Aristóteles pensava que o mais pesado cairia mais rápido, e na verdade o que acontece não é isso. Eles caem na mesma velocidade. Porem, como Aristóteles disse que o mais pesado cairia primeiro, praticamente todos acreditavam durante a Idade Média que essa era a verdade. Para testar essa afirmação, Galileu Galilei, somente no século XVI, supostamente jogou do topo da torre de Pisa uma bola de madeira e uma bala de canhão. Ambas atingiram o solo no mesmo momento, provando que Aristóteles estava errado. Mas, teria sido fácil demonstrar isso muito tempo antes não fosse a “verdade por autoridade”.
Confiar na “verdade por autoridade” era algo completamente fora do espírito das pesquisas de Aristóteles, e também fora de sua doutrina. A autoridade por si só não prova absolutamente nada. Os métodos próprios de Aristóteles eram a investigação, a pesquisa e o livre raciocínio. As verdades florescem nos debates, na possibilidade de estarem erradas, na contestação de visões e na exploração de alternativas.
Felizmente em todas as épocas existiram filósofos prontos para pensar de maneira crítica sobre o que os outros dizem estar certo.
Outro filósofo, o Pirro, tentou pensar de maneira crítica sobre absolutamente tudo, chegando supostamente a dizer que “ninguém sabe nada” e que não deveríamos acreditar naquilo que acreditamos ser verdade e manter a mente aberta para não se decepcionar. Esse é o principal ensinamento do cetecismo, uma filosofia que foi muito popular na Grécia antiga e depois em Roma.
Ao contrário de Platão e Aristóteles, os céticos mais radicais evitavam manter opiniões´solidas sobre o que quer que fosse.
O grego Pirro (363-270 a.C.) foi o mais famoso dos céticos, talvez o mais radical e teve uma vida também muito interessante.
Mas o filósofo Pirro é assunto para outro artigo. Até lá.

Fontes: http://www.itu.com.br/colunistas/artigo.asp?cod_conteudo=49886

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