09/01/2015

DEUS ESTÁ MORTO?



Se fosse um programa de comédia, o filme "Deus não está morto" estaria bem próximo do Zorra Total. Se a intenção dos produtores era criar um panfleto barato, conseguiram. Ou, para usar um conceito nietzschiano: arrebatar mais ovelhas para a moral de rebanho.

O filme cai no que, pretensamente, tenta combater: o dogmatismo. A começar pela apresentação caricatural do professor de filosofia que, em sua primeira aula, obriga os alunos a escreverem numa folha "Deus está morto". Os espíritos ingênuos que assistem a esta cena, podem mesmo acreditar que filosofia seja isso, quando é justamente o contrário. A filosofia, em si, é a suscitação do debate, diferente da religião. Ainda em relação ao professor, chega a ser cômica a maneira como o concebem psicologicamente: um ser arrogante, rude com a mulher e com os alunos, totalmente egocêntrico. Eis o maniqueísmo instaurado: o professor malvado e o aluno cristão bondoso (e injustiçado, claro. Porque o pobre calouro sofre preconceito, a namorada o deixa, enfim, todos os dramalhões para deixar sua vitória mais gloriosa). Além do mais, saberemos mais tarde que o ateísmo do professor é devido à morte da sua mãe quando ele era adolescente. Ela morreu de câncer porque as preces do menino não foram atendidas. O ateísmo, como fica claro, é colocado como sintoma de um trauma. Como algo mal resolvido (é constrangedora a cena em que o aluno pressiona o professor até que este diz que "odeia Deus por tudo o que Ele o tirou". Acreditem, eis o argumento mais forte do aluno: como você, professor, pode odiar a alguém que não existe?
Os argumentos que o aluno utiliza para "provar" a existência de Deus chegam a ser infantis. Qualquer pessoa que tenha lido dois ou três manuais de filosofia, teria vergonha de usar tais proposições. Dois exemplos: o aluno diz que, segundo Dostoiévski, "se Deus não existir, tudo será permitido". E, nessa linha, afirma a necessidade de um ser superior para o homem ser moral e para a vida ter algum sentido. Para começar, a frase é de um personagem de Dostoiévski, Ivan Karamazov (saber distinguir autor, narrador e personagem é primário). Depois, a frase não é bem essa e tem um contexto muito mais profundo: "Mas então, o que se tornará o homem sem Deus e sem imortalidade? Tudo é permitido, por consequência, tudo é lícito?" Terceiro que vincular a um ser metafísico a moralidade do homem é de dar risada. Inúmeros pensadores (Sartre, por exemplo) desmontaram esse argumento sem dificuldade.
O segundo exemplo é sobre a existência do mal no mundo. E o calouro, como se proferisse uma sentença genial, atribui sua existência ao livre-arbítrio. Se ele tivesse lido Espinosa, por exemplo, teria vergonha de usar tal subterfúgio. Outro ponto interessante é como o filme coloca religiões não-cristãs, ilustrada por um pai islâmico que é brutal com a filha que, olhem só!, quer se converter ao cristianismo!
Uma das últimas cenas do filme é patética: o professor é atropelado e o padre que o socorre na noite chuvosa (sim esse artifício também é utilizado!) o ajuda na conversão. O professor durão, no momento derradeiro, "aceita Jesus como o seu Senhor" e morre em paz.
Um dos pilares do cristianismo, Tomás de Aquino, se visse esse filme, acharia graça. Afinal, ele desautoriza o fideísmo gratuito, a fé do crente sem instrução. Inúmeros outros pensadores cristãos teriam vergonha desse panfleto.
Para terminar: o filme faz uma paródia de uma frase do Nietzsche (muito mal compreendida, aliás) que aparece nas obras A Gaia Ciência e Zaratustra. Acontece que se Deus não estava morto, o filme o matou.

Fontes: http://www.ribeiraopretoonline.com.br/coluna-matheus-arcaro/deus-esta-morto/85322

Sem comentários:

Enviar um comentário