26/01/2015

Manuel Maria Carrilho. Tão depressa ensaia o abraço como a retirada do tapete

O professor catedrático acumula no currículo obras, conferências e ainda um sem-fim de polémicas, capazes de incendiar até os espíritos mais fleumáticos
Chegavam da solene Lamego, em 1966, os "primeiros contactos com a filosofia" - " meses que me mudaram muito", recorda o ex-ministro da Cultura do governo de António Guterres em 2012, quando regressa à cidade para apresentar "Pensar o Mundo", obra que reúne em sequência cronológica os 20 livros que publicou ao longo de três décadas (1982-2012).
O filho de um antigo governador civil de Viseu no tempo da ditadura, nascido em Coimbra em 1951, onde conclui os estudos liceais aos 18 anos, não esquece a "curta estada" no Colégio Beneditino, motivada por esse pai que desaprova a adesão de Manuel Maria aos grupos de contestação ao Estado Novo, o apego a publicações como "Geração de 60" e a leitura de libertários interditos sob o regime de Salazar. Carrilho, "o filósofo-rei da política lusitana?", interroga-se sem grandes dúvidas a "Philosophie Mag" em artigo que lhe dedica em 2007. Priva com os escritos desses incómodos Sartre, Deleuze, Foucault e Louis Althusser. Uma referência que por estes dias não despista subtis comparações evocadas pelos mais atentos teóricos na internet - Althusser, o respeitado pensador do marxismo francês, e o cidadão comum que a 16 de Novembro de 1980 estrangulou até à morte a mulher, Hélène Rytmann.
"É preciso agir como homem de pensamento e pensar como homem de acção." A máxima de Henri Bergson, a trave-mestra do período em que institucionalizou e tutelou a pasta da Cultura (entre Outubro de 1995 e Julho de 2000), é, segundo a mesma "Philosophie", do dandy Carrilho, investigador nas áreas da filosofia do conhecimento e das ciências, nas teorias da argumentação e da retórica e nos problemas de comunicação e de política.

Haveria de voltar a essa decisiva morada duriense para uma "pausa no seu modernismo e bem-estar da capital; trajando vestes dum rapaz chique, identificando-se como um dos actuais alunos, a retomar o fio da meada de toda a sua cultura desde os primórdios". Assim recorda o padre Abel Matias no site da instituição aquela palestra diante de numeroso auditório de alunos do secundário. "Como é bom ter o privilégio de regressar aos sítios que nos formaram. Sem família, sem irmãos, foi o momento decisivo da descoberta do mundo interior, a experiência da solidão fez-me pensar no mundo e na sua beleza. Abandonado e só, aproximou-se de mim o professor de Filosofia padre Jorge Ferreira, bom conselheiro, sendo momento capital do meu recomeço", partilha o ex-aluno, que em 1975 termina a formação em Filosofia na Faculdade de Letras de Lisboa, concluindo o doutoramento uma década mais tarde, um ano antes de aderir ao Partido Socialista.
Professor catedrático da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa desde 1994, acumula no currículo conferências e intervenções, colaborações com jornais, a direcção de revistas, a publicação de estudos em títulos como a "Colóquio/Ciências", "Cultura", "Révue internationale de philosophie", "Cultural Dynamics", "Raison présente", "Futures", "Hermes", "Ciência e Filosofia", "Periodística", entre outras; o comentário televisivo. E um sem-fim de polémicas, capazes de incendiar até os espíritos mais fleumáticos. Nesse mesmo ano, num artigo de opinião, António Barreto arrasa o "ministro rasca", o "pavão da província", o "homem sem qualidades", título da prosa que desencadeou a fúria e o processo, inconsequente, de Carrilho, cuja coluna tanto se encolhe como ergue a voz nos momentos soberanos. Em 2005, na corrida à CM de Lisboa, falha o aperto de mão a Carmona Rodrigues no final de um debate na SIC. Quatro anos depois recusa-se a apoiar Farouk Hosni, o egípcio disposto a "queimar todos os livros israelitas que encontrasse numa biblioteca", para o cargo de director-geral da UNESCO, organismo onde Manuel Maria Carrilho exerceu funções como embaixador entre 2008 e o final de 2010.
De Paris, centro do pensamento europeu, para o Portugal real do legado da sua tutela da cultura. Da elogiada rede de equipamentos pelo país à projecção da literatura portuguesa como tema da Feira do Livro de Frankfurt, em 97, aos desvarios despesistas, multiplicação de organismos ou promoção da preservação das gravuras de Foz Côa, pretexto para discussões dignas do período paleolítico mais de 15 anos depois. "À beira do colapso", é como José Sasportes, o seu sucessor, vai encontrar o Ministério da Cultura, alerta o ex-secretário de Estado Rui Vieira Nery, que em 2000, quando Carrilho assume o lugar de deputado eleito à Assembleia da República, arrasa o consulado do colega de faculdade.
Em 2001, em entrevista à TSF, o professor defende que a moção de estratégia de Guterres é "muito pobre" e que, se o objectivo é orientar os desafios do país para os próximos dez anos, "nem sequer dá para os próximos dez dias". Em 2003, diz então o "Público", o homem que apoiara Ferro Rodrigues faz duros ataques à sua liderança e defende um congresso extraordinário para reanimar um partido "triste e acabrunhado". O resto é futuro. E "o futuro é muito tempo", já escrevia Althusser.

Fontes: http://www.ionline.pt/artigos/portugal/manuel-maria-carrilho-tao-depressa-ensaia-abraco-retirada-tapete/pag/-1

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