07/03/2015

Dois físicos, um historiador, um filósofo e um crítico de arte falaram do tempo

“Não faço ideia do que é o tempo, se soubesse reformava-me.” Foi desta forma que a cosmóloga portuguesa Marina Cortês respondeu à primeira pergunta que a moderadora Bárbara Reis, directora do PÚBLICO, colocou a todos os participantes na “conversa sobre o tempo” que decorreu perante uma sala cheia, na quinta-feira à tarde, no Centro Cultural de Belém em Lisboa, por ocasião do 25.º aniversário do jornal. “Descobrir como a natureza faz o tempo avançar é o meu objectivo”, acrescentou Marina Cortês. “As nossas equações não dizem nada sobre a razão por que o tempo avança e não recua.”

O seguinte a responder foi o filósofo Nuno Nabais. “O tempo é uma doença crónica da filosofia. E é aquilo que demora a passar quando temos uma penhora”, disse, suscitando risos na plateia. O historiador Diogo Ramada Curto falou do tempo como tendo a ver “sobretudo com os diferentes ritmos de mudança no interior da sociedade”; e o crítico de arte Alexandre Melo salientou que, para ele, “o tempo é importante sobretudo porque a vida consiste essencialmente em como ocupar o tempo”.

O último a responder a esta pergunta tão simples mas tão complexa foi o físico teórico português João Magueijo, que o PÚBLICO convidou este ano a ser “director por um dia”, a cada ano endereçando um convite a um novo director para a edição de aniversário. “O tempo é um sistema de arquivo”, frisou. E citou o que diz ser uma das suas frases favoritas: “O tempo é o que impede que tudo aconteça ao mesmo tempo.”

O problema, disse ainda João Magueijo, é que os físicos andam à procura de leis imutáveis, “acabando por deitar o tempo para o caixote do lixo”, algo que considera como o “grande paradoxo da física”. “O tempo acabou com a teoria da relatividade [de Einstein], quando esta colocou o tempo e o espaço no mesmo nível filosófico”, lançou.

Porquê, pergunta a moderadora? Marina Cortês respondeu: “Porque se posso andar para frente e para atrás, para a direita e para a frente no espaço, se o tempo e o espaço [estivessem no mesmo plano], também deveria ser possível andar em várias direcções no tempo. Mas sabemos que isso não é assim.”

Outra pergunta: como é que a consciência da nossa mortalidade se articula com a nossa visão do tempo? “Se fôssemos eternos, não nos aperceberíamos da beleza das flores, das estrelas”, respondeu Nuno Nabais. “Confrontados com a iminência da morte, tudo aparece como cheio de vitalidade.”

O tempo parece muito menos irrevogável na arte. “Será que algo pode ‘desacontecer’?”, perguntou-se Alexandre Melo. “Em relação à arte, as obras de arte podem ser destruídas, obras que não eram obras de arte passam a sê-lo e depois deixam de o ser; a própria estética implica uma reavaliação do que está para trás.”

Nuno Nabais salientou ainda que “há muitos passados diferentes; é um mito que os passados sejam todos simultâneos. Há passados bem passados e passados mal passados.” E Diogo Ramada Curto relacionou o tempo com a ideia de progresso: “Como cidadão, penso que vale a pena lutar por um futuro onde as desigualdades (raciais, de género, sociais) acabam.”

Será que há tempo para pensar, nesta era da informação que não pára de irromper na nossa vida através da Internet, dos telemóveis? “O desafio é viver com toda esta diversidade de ritmos temporais”, disse Diogo Ramada Curto.

“E daqui por mais 25 anos o que acham que se vai tornar obsoleto?”, perguntou Bárbara Reis. “Espero que o telemóvel”, disse Alexandre Melo, “essa coisa que mantém as nossas duas mãos, os nossos dois olhos e os nossos dois ouvidos ocupados ao mesmo tempo!” “Os jornais e as revistas científicas”, respondeu João Magueijo. Ramada Curto observou, porém, que Magueijo “está errado” e contrapôs que o que vai haver no futuro é um maior número de suportes diferentes para aceder à informação, que é “essencial”.

Seja como for, Nuno Nabais expressou a certeza de que o PÚBLICO continuará, daqui a 25 anos, a ser vendido na sua “tabacaria preferida”.

Marina Cortês concluiu prevendo o fim do horário de oito horas de trabalho diário: “Trabalho uma ou duas horas e depois a minha cabeça já não dá para mais.” Depois irá à Internet, enviará emails, mas não ficará sentada o dia todo no gabinete: “Vou ver pessoas, dar um passeio.”

Fontes: http://www.publico.pt/ciencia/noticia/dois-fisicos-um-historiador-um-filosofo-e-um-critico-de-arte-falaram-do-tempo-1688311

Sem comentários:

Enviar um comentário